Olá, antes de tudo, preciso me apresentar. Me chamo Leonardo Aded Tavares, tenho 35 anos, e faz 3 anos comecei minha jornada no voo livre. Durante esses poucos 3 anos, passei por
momentos tão incríveis que essa narrativa teria lugar num livro, mas que resumirei nessa primeira publicação de uma forma leve, para dar boas-vindas a você.
Todo mundo tem uma relação particular com o céu. O que o céu representa para você? Desde cedo, meus brinquedos favoritos sempre tiveram relação com o voo. Dizem que na vida adulta,
tendemos a realizar coisas que nos marcaram na infância e que não tivemos a oportunidade de explorá-las no íntimo. Pois bem, hoje tenho na estante da sala uma miniatura de avião e no meu notebook dezenas de fotos e vídeos dos voos que fiz.
Tudo começou no Clube São Conrado de Voo Livre, quando há 3 anos, fui naquele local, despretensiosamente perguntar sobre o curso de voo sem sequer ter voado na vida. Fui apresentado a um instrutor, que me convidou prontamente para um voo duplo. Por 2 meses, fugi das mensagens desse instrutor, evitando o inevitável. Não é que eu não queria, mas o desconhecido vem acompanhado do medo e o medo nos mantém na zona de conforto. Claro que eu queria, e a oportunidade estava ali, batendo na minha porta, até que finalmente, fiz aquele voo que mudaria minha vida, num caminho sem volta. Aqui, quero pontuar uma coisa: me apresentaram o voo como a sensação mais próxima da liberdade que você poderia ter. Quero que guardem essa palavra: liberdade.
A rampa de voo livre de São Conrado está localizada num lugar que não posso ousar dizer ser privilegiado, pois a geografia do Rio de Janeiro toda é de uma beleza ímpar, mas certamente a rampa está no centro de toda essa beleza. Inserida na Pedra Bonita, ao seu lado está a Pedra da
Gávea e pode-se ver facilmente o Morro dos Dois Irmãos, a praia do Pepino, o Cristo Redentor e tantos outros lugares. Aqui, vou narrar a vocês, o voo que marcou minha trajetória, e provavelmente a de muitos que voaram nesse, que é um dos mais espetaculares sítios de voo do planeta: o dia em que ganhei a Gávea.
No voo, ganhar determinado lugar significa ficar mais alto do que ele. Lembro como se fosse hoje, a tensão em voar tão próximo daquele paredão de pedra imponente, que resistiu ao tempo, sempre vigilante, olhando cada decolagem e pouso no Clube de Voo mais frequentado do mundo. A cada contorno na pedra, eu media mentalmente a minha distância em relação ao paredão e via minha asa subir alguns poucos metros e muitos metros quando atingia determinada face. Com o tempo, vamos ganhando uma sensibilidade inimaginável e começamos a nos integrar com a natureza e com o equipamento até que a asa passa a ser parte integrante de você, como se você tivesse nascido com elas. Os movimentos passam a ser tão naturais como caminhar no calçadão lá em baixo. O vento? Antes invisível, agora se mostra para os pilotos como uma estrada nos seus diversos sinais. Adquirimos esse superpoder com o tempo. O vento penteava a vegetação que havia crescido em diversos pontos daquela rocha maciça, em lugares tão estéreis que o milagre é a explicação mais racional. Mas naquele momento, isso não importava tanto. Para falar a verdade, a concentração era tanta, que as únicas preocupações eram me manter seguro e ganhar altura.
Foram 15 minutos de muita ralação que pareceram horas, vencendo metro por metro. Era possível saber que a asa estava subindo ao ver algumas poucas vegetações descendo ao meu lado. Mais alguns metros e o paredão começou a ficar menos íngreme. Um formato mais boleado se apresentou. O vento agora penteava uma vegetação mais rica e uniforme. Era possível ler o vento por meio da vegetação, uma linguagem que os pilotos começam a adquirir. Já conseguia não somente ver, mas chegar tão próximo da Cabeça do Imperador que era possível ver cara poro daquele rosto sóbrio e vigilante, encarando a floresta da Tijuca. Nesse ponto, a asa começou a subir com mais velocidade. Já era final de tarde e quando vi aquele paredão de pedra descer como se estivesse implodindo na minha frente, o que se mostrou para mim foi um pôr do sol irradiando uma luz dourada numa planície com lagos, rios, serra, mar, numa pintura magnífica. Os raios de sol desciam como lanças de ouro e refletiam na água prateada sob um céu profundo. Havia ganhado a Gávea. Havia ganhado o dia. Havia renascido. Eu já não estava de asas, eu e o equipamento éramos uma coisa só, deslizando no vento ascendente que contornava o relevo daquele paredão que marcaria minha vida de muitas formas. Eu ganhei a vida!
Tive a honra de ser convidado para representar a Nova Geração neste espaço e espero do fundo do meu coração fazer jus a este convite.